June 4, 2018

NL#3 – RPG’s – Um pequeno passo para a imaginação, um passo gigantesco para a diversão

A ficção científica transporta-nos para mundos imaginados, futuros criados pelas mentes criativas de autores e criadores que ao longo da sua história, foram acrescentando à realidade as suas visões para o futuro tecnológico, politico, social e até religioso da humanidade. Futuros optimistas, pessimistas, algures entre um e outros ou por vezes de tal maneira surreais, que desafiam qualquer classificação dicotómica.

Os RPGs, do inglês Role Playing Games, cuja tradução aproximada poderá ser Jogos de Interpretação de Personagens, ou simplesmente, Jogos de Personagem, dão-nos a oportunidade de viver esses mundos na primeira pessoa e de, num mundo já criado, criar a nossa própria história.

Na origem dos RPGs como os conhecemos actualmente, está um encontro entre os jogos de sociedade das elites europeias do final do século XIX e os jogos de miniaturas de reconstrução de batalhas, adaptados à fantasia medieval.

Reza a lenda que um dia um grupo de jogadores de um jogo de miniaturas de guerra quis imaginar o que seria acrescentar às suas batalhas a componente da acção de pequenos grupos de heróis ou espiões, uma vez que esse jogo se centrava apenas em batalhas de grandes dimensões, resolvidas ao nível da estratégia militar. Daí surgiu um mundo de jogos de interpretação de heróis, primeiro centrados no combate, mas com uma componente narrativa que esteve sempre presente.

O RPG baseia-se em quatro componentes principais, jogadores, mestre de jogo, regras e “pano de fundo”, o ambiente narrativo em que a história se desenrola. Com maior ou menor enfoque num destes quatro, ou mesmo total ausência de algum deles (há sistemas praticamente sem regras ou mesmo sem mestre de jogo).

O mestre de jogo apresenta aos jogadores a situação em que se encontram as personagens, descreve o ambiente, interpreta as restantes personagens e dá aos jogadores a oportunidade de agirem de acordo com as personagens que interpretam. A partir daí “all bets are off”, cabe aos jogadores responderem aos desafios narrativos do mestre de jogo e cabe ao mestre de jogo acompanhar as acções das personagens e fazer o “seu” universo reagir às acções dos jogadores. A partir daí surge uma história criada em conjunto, que tanto pode ser totalmente original, como ser baseada em material pré feito publicado pelas editoras de RPGs, mas o que é certo é que será sempre única.

Dentro da ficção científica são muitos os mundos que já foram adaptados a este meio e outros tantos outros criados de raiz para tal. Podemos voltar a uma Galáxia Muito Distante e viver a nossa própria história de Cavalheirismo Espacial, Contrabandistas e Princesas. Viver uma aventura na Escuridão Sombria do Futuro Distante, onde Só Há Guerra, contactar com abominações cósmicas que existem para além do tempo e do espaço e até viajar pelo espaço e tempo a bordo de uma cabine de comunicação com a policia acompanhados por ou a interpretar um extraterrestre excêntrico e com saudades de casa, de uma casa que ele próprio destruiu. De entre os mundos criados somente para esse fim, algumas novidades, clássicos e uma menção honrosa. Os clássicos levam-nos a Steve Jackson e o seu sistema GURPS, um sistema de regras adaptável a qualquer universo ou tema, mas com um exemplo muito forte na ficção cientifica, nomeadamente Cyberpunk, a ficção cientifica distópica em que a tecnologia domina a vida humana, mas nunca para a elevar ou melhorar, sempre para controlar e oprimir. Também no campo distópico mas já num registo mais humorístico, temos Paranoia, um jogo baseado, imagine-se, nas paranoias políticas e sociais da Guerra Fria, em que uma espécie de Grande Irmão electrónico procura manter o controlo sobre a sua sociedade, recorrendo aos jogadores, que na verdade acabam por ter também as suas próprias agendas, o que pode levar ou a consequências trágicas, cómicas ou, na maior parte das vezes, ambas.

Já no campo das novidades destaca-se a recente entrada da Paizo na Ficção Cientifica, neste caso uma espécie de Fantasia Cientifica, com o lançamento de Starfinder, um RPG de aventuras espaciais com elementos mágicos e tecnológicos, misturando elementos reminiscentes da sua linha original baseada em Dungeons and Dragons, Pathfinder, com elementos tradicionais de ficção científica. A menção honrosa vai para Eberron, um universo criado para Dungeons and Dragons em que a magia substitui a tecnologia

no dia-a-dia, acabando por criar e revisitar conceitos que são ao mesmo tempo familiares e fantásticos e cruzados entre a Fantasia e a Ficção Cientifica, com uma

estética que remete os jogadores para uma espécie de Steampunk não Vitoriano, em que Androides são usados na guerra com o mesmo à vontade ou desconforto com que se usam zombies e esqueletos animados e em que armas de destruição maciça misteriosas assumem um papel importante na narrativa. A realçar também que, ao escreverem a ficção que acompanhava o cenário, os seus autores decidiram expurgar este universo dos conceitos tradicionais de raças “boas” e “más” e mesmo a religião, sempre importante em DnD, é tratada de maneira diferente, com os Deuses a terem uma influência muito mais subtil na realidade e algumas religiões a serem construídas à volta de energias não antropomorfizadas em vez das tradicionais divindades. Além de tudo o resto, Eberron é também o cenário em que é possível um barco voador ser atacado por halflings mafiosos montados em pterodáctilos amestrados, para depois cair num bairro de lata construído na base de uma cidade de torres e edifícios flutuantes.

Os mundos imaginados na ficção científica transportam-nos para a imaginação dos autores que ousaram criar futuros para a humanidade ora mais realistas, ora mais fantasiosos, com os RPGs jogados nestes cenários de ficção cientifica podemos ousar criar novas narrativas em conjunto com os nossos amigos, em cenários totalmente novos ou também partilhando com quem os imaginou antes de nós.

 

Autoria: Saúl Pereira