May 6, 2018

NL#1 – Os Despojados: Um livro que obriga a pensar

You cannot buy the revolution. You cannot make the revolution.

You can only be the revolution. It is in your spirit, or it is nowhere.”

Por vezes, o público pode pensar que a ficção científica é algo leve de digerir, como se fosse histórias para crianças. Quem diz isso, nunca leu Ursula K. Le Guin.

Aquando da publicação do seu livro “The Dispossessed: An Ambiguous Utopia”, em 1974, vivia-se em plena Guerra Fria. O homem tinha pousado na Lua apenas há cinco anos, contribuindo para o reforço da crença na racionalidade do homem e reafirmando a necessidade de uma vida em comunhão. Mais tarde, Le Guin, em várias entrevistas, afirma que sentiu necessidade de escrever o livro com o objetivo de lidar com a “interminável guerra no Vietname”. Deste modo, “Os Despojados”, considerado uma alegoria social, pretende combater as trevas, com ideais de sociedade que ainda hoje vigoram.

Esta narrativa não é algo que se explique num só parágrafo. A história gira em torno da dicotomia Anarres – Urras. O primeiro é um planeta que, apesar de ter sido colonizado por sociedades revolucionárias de Urras (que lhes ofereceu a “simpática” opção de exílio), cortou relações com esta, ao mesmo tempo que institui um regime político de anarquia sindicalista (à primeira vista, uma associação paradoxal de palavras). Já Urras é uma sociedade capitalista na sua forma mais crua, cuja cidade mais importante, A-io, aproveita-se de outras províncias mais desprotegidas.

E é aqui que entra Shevek, um físico anarresti que não consegue terminar a sua teoria devido ao sindicato e que parte para Urras, com o intuito de completar a sua Teoria da Simultaneidade. O livro altercala, então, entre os dois planetas, destacando as diferenças entre os dois, desde a estratificação social até aos próprios valores morais.

O facto de Anarres ser uma sociedade colectivizante contribui ainda mais para o confronto do socialismo vs capitalismo, Rússia vs USA. E, apesar de a resposta correta parecer óbvia, nem Shevek nem Le Guin chegam à conclusão acerca de qual das sociedades é a melhor. Porque, apesar de Urras ser uma sociedade patriarcal, ninguém passa fome. E Anarres, que encapsula as ideias do feminismo, não é uma meritocracia.

Ursula K. Le Guin reforçou o carácter político e social que o sci-fi pode ter, não só mostrando um futuro distópico, como também facilitando as ferramentas para o prevenir. A crise apocalíptica que borbulha em Shevek é a crise do leitor, que, após ler 300 páginas, tem ainda mais perguntas do que respostas. E tenho a certeza de que foi esse o objetivo final de Le Guin, sufocar o leitor com dúvidas, de modo a fazer brotar uma voz.

 

Carolina Sousa